Para quem (ainda) não sabe, estamos morando em Jerusalém há pouco mais de 2 anos e, além de personal stylist, eu sou doutoranda em Estudos Globais e mestre em Estudos Estratégicos da Defesa e da Segurança. Ou seja: estamos no meio do conflito que se prolonga há mais de 1 ano no Oriente Médio, com a minha cabeça metade na tese de doutorado, metade na realidade da desproporcional guerra iniciada após os ataques do Hamas em 07 de outubro de 2023. O somatório desse quadro explica quase totalmente o meu sumiço aqui e também no O Mundo é a Minha Casa; é difícil focar em qualquer coisa que não seja o conflito que, infelizmente, tem escalado significativamente no último mês.

Por mais que eu suma um pouco daqui e das redes sociais, eu continuo razoavelmente ligada no que acontece no universo da moda, então fiquei positivamente surpresa quando li uma matéria no Business of Fashion (BoF) sobre os impactos que a guerra no Oriente Médio tem tido na indústria da moda. Foi um gancho irresistível para refletir aqui, unindo esses universos das minhas formações acadêmicas com o meu dia a dia desde outubro passado.
Embora eu esteja muito longe de ser especialista em Oriente Médio, eu costumo evitar dizer que a guerra começou em outubro de 2023; na minha avaliação, foi uma escalada do conflito que se arrasta há decadas: principalmente desde que mudamos pra cá, a leitura que eu faço é de que a tensão conflituosa já se sentia no ar mesmo antes de outubro passado. A trágica ação do Hamas em outubro passado, que implicou em muitos sequestros e mortes (inclusive de reféns), deflagrou uma escalada sem precedentes no conflito Israel-Palestina, com bombardeios incessantes em Gaza, causando uma destruição inigualável e sofrimentos inimagináveis na Faixa. São mais de 41.000 palestinos mortos, e mais de 1.200 israelenses e cidadãos de outras nacionalidades também perderam as suas vidas desde a escalada do conflito.
Desde o ano passado passado, o Hezbollah tem atacado Israel no norte, numa tentativa de tirar o foco de Gaza, forçando Israel a mobilizar suas forças em dois fronts diametralmente opostos. Ou seja: o fogo cruzado no norte não é exatamente uma novidade das últimas semanas. No entanto, houve, de fato, uma escalada regional, envolvendo não só o Hezbollah e a incursão terrestre de Israel no Líbano, mas também o Irã que, desde abril passado, começou a atuar de forma mais incisiva no conflito, multiplicando os fronts.
Recentemente, Benjamin Netanyahu, o primeiro-ministro de Israel, afirmou que as forças israelenses estavam “mudando a realidade de segurança” na região, enquanto continuavam com sua invasão terrestre no sul do Líbano e ataques aéreos em Beirute, em uma tentativa de enfraquecer o Hezbollah. E enquanto oficiais israelenses avaliam sua resposta ao recente ataque com mísseis de 01 de outubro, o diretor da CIA William Burns alertou para um perigo muito real de uma nova escalada regional.

De acordo com o BoF, a situação tem pesado bastante sobre os muitos profissionais da moda no Oriente Médio e em outras regiões, embora o impacto nas operações da indústria tenha sido relativamente contido até agora. Beirute é um pequeno, mas significativo, centro de moda. Marcas libanesas como Elie Saab, Georges Hobeika e Zuhair Murad têm operações importantes na capital do Líbano. Algumas marcas menores estão em “modo de sobrevivência”, tentando encontrar maneiras de continuar trabalhando para criar um senso de normalidade em meio ao caos e à destruição. No entanto, o BoF destaca que, até agora, os principais players sofreram um impacto operacional limitado, já que seus ateliês e lojas estão, em grande parte, concentrados nos distritos comerciais e de varejo centrais de Beirute, e não nos subúrbios do sul da cidade, que têm suportado o peso do ataque israelense. No entanto, o BoF alerta que a situação de segurança regional colocou pressão sobre os prazos de entrega e as interações com clientes e varejistas internacionais. Jad Hobeika, co-diretor criativo da marca Georges Hobeika declarou ao BoF que a resiliência se tornou um modo de vida para os designers libaneses, enquanto se esforçam para mostrar a beleza do Líbano para o mundo, não importando as circunstâncias.
Enquanto isso, profissionais da indústria em Tel Aviv, que abriga um pequeno setor de moda, também seguem em frente, numa rotina que se tornou “normal” desde outubro de 2023, mesmo após o ataque com mísseis do Irã a Israel no dia 1º do mês corrente. O bombardeio foi, em grande parte, interceptado, resultando em danos limitados; um míssil iraniano caiu perto do Ayalon Mall, um dos principais da cidade, onde marcas como H&M, Desigual e Forever 21 têm lojas, mas não atingiu diretamente o shopping.
Além da zona de conflito imediato, a matéria do Business of Fashion destaca que, nos estados do Golfo, cujos centros de compras são críticos para os negócios de moda regionais e globais, houve um crescente sentimento de indignação enquanto bombas atingem Beirute e se multiplicam declarações de líderes da indústria, como a carta do editor de Manuel Arnaut, da Vogue Arabia, que foi uma homenagem ao povo libanês, e do designer libanês Rabih Kayrouz, que lamentou o sangramento de seu país. Esse sentimento foi pronunciado entre insiders no importante centro de Dubai, onde muitos libaneses trabalham no setor de moda local e o conflito pareceu mais próximo com o deslocamento ou alargamento do conflito para a capital libanesa. Mas, na maior parte, os negócios continuaram como de costume, com apenas pequenos ajustes ou adiamentos menores nas ativações de marketing de moda chamativas, numa demonstração de sensibilidade à escalada do conflito. Entretanto, segundo a matéria do BoF, a demanda dos consumidores ainda não foi afetada no Golfo. Os shoppings de Dubai permaneceram movimentados, e alguns até preveem um boom nas vendas locais à medida que o conflito se intensifica e mais libaneses, sírios e outros afluentes se relocam para o “refúgio seguro” regional. Na capital da Arábia Saudita, Riade, e em Jidá, outro centro de moda do reino, a guerra parece ainda mais distante do que nos vizinhos Emirados Árabes Unidos.
A situação no Oriente Médio continua volátil, e uma escalada ainda mais dramática, como um ataque israelense às instalações nucleares do Irã, poderia desencadear uma guerra mais ampla com consequências para diversos setores. Pensando diretamente nos impactos econômicos e, de modo particular, na indústria da moda, uma guerra mais ampla poderia prejudicar a indústria global, piorando a crise de transporte no Mar Vermelho, interrompendo operações comerciais, elevando os preços do petróleo, alimentando a inflação e diminuindo drasticamente os desejos de consumo. Eu, que nunca pensei que realmente vivenciaria uma situação dessas, me refugio na minha fé, rezando pela paz e para uma solução duradoura pra esse conflito, ao passo que mergulho na minha tese de doutorado, com a certeza de que existe um propósito divino pra estarmos vivenciando tudo isso aqui na Terra Santa.

Deixe um comentário