De ontem pra hoje, estava conversando com uma amiga sobre novos padrões de consumo pós-pandemia – se é que a gente já pode pensar em pós-pandemia ou mesmo falar em novos padrões de consumo. E é claro que essa conversa acabou virando post, complementando/aprofundando/continuando o post que publiquei aqui há pouco mais de um mês atrás. De novo, tudo o que eu escrevo aqui em relação a pandemia é uma previsão, considerando diferentes circunstâncias, tentando interpretar o que já está acontecendo e projetando possíveis cenários. É, também, um convite a pensar – a caixa de comentários está aberta pra gente conversar!
A reabertura do comércio aqui na Suíça começou no dia 27 de abril, com lojas de segmentos específicos (material de construção, DIY, e afins) – e desde o dia 11 de maio todas as lojas (de todos os segmentos) estão abertas. No primeiro dia de reabertura, foram registradas filas quilométricas do lado de fora das boutiques das principais maisons de luxo tanto em Zurique quanto em Genebra – sem falar nas lojas de departamento e fast fashion. Desde então, algumas maisons tem mandado email para seus clientes pedindo gentilmente que as visitas sejam agendadas previamente, evitando a aglomeração nas boutiques.
Esse tipo de comportamento – principalmente se considerarmos que o povo suíço não é lá o mais ávido consumidor de peças de luxo – me leva a crer que, em geral, os padrões de consumo não vão mudar muito no pós-pandemia.
Eu realmente acho que algumas pessoas passarão a consumir moda de uma maneira mais consciente. Mas consumo consciente pode significar desde gastar menos a comprar menos – afinal, pode-se comprar menos e gastar mais, dependendo das escolhas. Outras pessoas provavelmente aumentarão o consumo (correspondendo ao “revenge buying“), compensando tudo o que não consumiram no período de privações e limitações. Mas, na minha opinião, a maioria das pessoas continuará com os mesmos hábitos de consumo.
É claro que essa minha análise considera uma manutenção da renda, sem perda salarial ou descontos imprevistos. Para as pessoas que perderem renda por conta da pandemia, é muito provável que o consumo de moda não estará entre as prioridades (ou, pelo menos, não deveria estar), podendo ser cortado do orçamento por tempo indeterminado.
O que eu acho muito provável que aconteça é que as pessoas modifiquem um pouco muito o seu modo de vestir por terem percebido neste período que nada é melhor nem mais importante do que o conforto. Estar confortavelmente vestido ajuda, inclusive, a aumentar a produtividade – e, em tempos de home office, o conforto no vestir-se tornou-se fundamental. As vendas online, que tem sido a saída para a maioria dos lojistas do mundo inteiro, registram um aumento significativo na busca por roupas confortáveis e bonitas (incluindo loungewear/pijamas), e eu tenho a impressão de que a tendência é de que as pessoas busquem cada mais esse conforto também nas “roupas de sair/trabalhar”, impulsionando a indústria a produzir peças assim – um caso simples de demanda x oferta.
E, por falar em vendas online, no pico da pandemia (por aqui, a curva já está achatada), todas as lojas online da Suíça tinham um disclaimer avisando que as demandas estavam excepcionalmente altas e que, por esta razão, as compras poderiam demorar mais do que o normal para ser postadas e entregues – afinal, os correios e transportadoras também estavam sobrecarregados. Isso é um testemunho de que as pessoas simplesmente não param de consumir porque o comércio não está aberto – simplesmente há uma modificação na maneira de consumir; nesse caso, cabe aos lojistas identificar uma maneira sustentável de continuar vendendo e cumprindo com suas responsabilidades – principalmente pagando seus funcionários. A economia só para de girar quando há má vontade para adaptar-se a novos tempos.
E adaptar-se aos novos tempos requer, também, a praticidade no vestir-se – e eu acho que as pessoas vão dar especial valor para a praticidade das suas roupas. Ao compreender a importância de lavar as roupas com maior frequência como prevenção contra o coronavírus, creio que haverá uma busca cada vez maior por peças com fácil manutenção, que sejam fáceis de lavar e, preferencialmente, que não precisem ser passadas a cada lavagem. Acho que caminhamos para uma maior valorização dos tecidos orgânicos, reforçando uma tendência que já estava em curso, já que costumam ser mais fáceis de cuidar e, em geral, também são mais confortáveis e gostosos de vestir. Para completar, acho que as pessoas vão dar mais valor ao que estão consumindo, procurando construir um guarda roupa mais atemporal, que possa atendê-las nas mais diversas circunstâncias.
Desde o último post sobre consumo x coronavírus, a Saint Laurent (comandada por Anthony Vaccarello) e a Gucci (sob comando de Alessandro Michele) anunciaram que não vão mais seguir os calendários de moda como nós conhecemos (ou conhecíamos). Essas decisões provavelmente terão impactos fortíssimos na indústria da moda como um todo, e não só no mercado de luxo. Ao adotarem esta postura, estes dois diretores criativos, que transformaram completamente as respectivas maisons nos últimos anos, lançando tendências copiadas e replicadas pelos mais diversos setores, propõem uma mudança no pensamento da indústria como um todo, e até mesmo uma desaceleração (necessária) nas produções de coleções.
Caso realmente aconteça, a desaceleração da indústria da moda será benéfica em vários fronts – pra começar, desacelerar as produções de novas coleções impactará positivamente no meio ambiente. De mãos dadas com a demanda por peças de segunda-mão (que vem vindo numa crescente nos últimos anos), desacelerar a produção de novas peças, que demandam sempre bastante matéria-prima, pode ser o início de uma (nova) revolução industrial, partindo da moda e que poderá ser implementada também por outros setores industriais, com a consciência ambiental como norte.